João Carlos Estevão de Andrade, residente em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, é o personagem central do livro “João da Moto — A vida não impõe limites”, uma produção independente produzida pelo biografado, em parceria com a escritora Lenilde Ramos, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. O capítulo 24 fala sobre como João Carlos, o “João da Moto” conheceu a Pestalozzi e também aborda a questão da acessibilidade.

“Quando se realizou o VI Congresso Nacional da Fenapestalozzi, João participou de uma mesa que discutia um tema bem importante para a qualidade de vida das pessoas com deficiência: acessibilidade.
Essa questão sempre foi um ponto fundamental relacionado à deficiência física. De acordo com o tipo e o grau da deficiência, a pessoa afetada depende do apoio integral de outra para se deslocar e, quem possui alguma condição de fazer isso por si mesmo, literalmente esbarra na falta de adaptações arquitetônicas de mobilidade. João conviveu com essa realidade desde que começou a circular com sua bicicleta, depois com as duas Mobilete e com a moto, e sempre viu dificuldades ainda maiores para quem dependia de cadeira de rodas. As cidades não cogitavam a presença, nem a circulação de pessoas com deficiência.
Calçadas eram as primeiras barreiras. Na sequência vinha praticamente tudo: prédios, lojas, lanchonetes, cinemas, supermercados. Em 1989 foi publicada a primeira lei brasileira de “Apoio às pessoas com deficiência e sua integração social”. João considera o tema da acessibilidade muito forte por causa de sua materialidade. O movimento deu ênfase ao enfoque arquitetônico, promovendo espaços adequados de circulação e de integração. Para ele, essa palavra está mais ligada ao sentido material. Ele diz: “— É como você preparar um ambiente e colocar alguma coisa ali. Não é só isso. Com a mobilidade física precisamos avançar ainda mais para nos libertarmos da mentalidade de dependência, de tutela da família ou do Estado e do condicionamento cultural que nos é imposto há séculos”.

A acessibilidade como conceito de integração física levou-o então a um sentido que ele considera mais amplo e mais profundo, que é o da inclusão. “— A inclusão depende de um gesto de acolhimento. Começa quando eu tento acolher minha deficiência e também passa pelas pessoas que convivem comigo. A deficiência requer de mim um compartilhamento maior com outras pessoas e não quero que esse gesto signifique apenas dependência. Quero me sentir acolhido. Para mim esse é o verdadeiro significado da inclusão”. O pensamento ia longe, as reflexões cada vez mais fundo e as propostas de mudanças cada vez mais presentes.
Driblando as dificuldades de acesso físico, João e sua moto perseguiam reuniões, cursos, seminários, assembleias e congressos. Segundo a professora Elisa Cesco: “—João era uma presença constante e demandada mesmo e tornou-se uma figura popular. Ele nasceu político e nasceu líder. O que me chamava a atenção era a sua lucidez, seu compromisso com a ética e com a verdade e a sua dignidade”. João não se limitava em apenas ouvir. Sempre havia uma contribuição a oferecer e contestações que fazia questão de apresentar pessoalmente. Nesses momentos sua paciência era imensa, porque nem todas as pessoas conseguiam decifrar sua fala. E ele repetia quantas vezes fosse necessário, para que entendessem o sentido real de seu pensamento.
Elisa diz: “— Enquanto todos discutiam inclusão eu via que João já estava incluído e lutava para compartilhar suas ideias com as pessoas portadoras de deficiência* e as pessoas ligadas a elas. Ele não esperava permissão dos outros para se incluir. Ele se incluía. Isso é da força e da garra que ele tem”. Nessa época, ele nem queria mais dizer “pessoas com deficiência”. Para ele, o termo ideal era “pessoas com limitação funcional”, tentando se libertar do estereótipo de deficiente que a sociedade insistia em perpetuar. Seu lema era “A vida é dura para quem é mole”. E assim João circulava, procurava as pessoas para conversar e construía em torno de si o personagem com paralisia cerebral rodando pela cidade.
Ele lembrava aquela música do Paralamas do Sucesso: “Vital e sua moto, mas que união feliz. Corria e viajava, era sensacional. A vida em duas rodas era tudo que ele sempre quis. Vital passou a se sentir total com seu sonho de metal…”.

* O termo indicado para identificar essas pessoas, conforme a Lei Brasileira de Inclusão, é pessoa com deficiência.
Sobre autora: Lenilde Ramos — Ela é musicista, jornalista, produtora cultural e escritora. Trabalhou com projetos culturais e de comunicação no governo estadual de Mato Grosso do Sul, seu estado natal. Foi voluntária por 40 anos no Hospital São Julião, na capital sul-mato-grossense. Hospital cuja história de transformação, de uma casa de saúde para tratamento de pacientes com hanseníase para um Hospital Geral, Lenilde conta em livro.
A jornalista é membra da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, ocupante da cadeira nº 31, desde o ano de 2019. No livro “João da Moto — A vida não impõe limites”, ela registra a vivência de João Carlos de Andrade com a paralisia cerebral e sua ligação com a Pestalozzi de Campo Grande–MS. Atualmente, ela atua como conselheira Técnico-Científica da Federação Nacional das Associações Pestalozzi — Fenapestalozzi, assessora de comunicação do Hospital São Julião, e escreve a biografia de Ir. Silvia Vecellio, 92 anos, a mulher que revolucionou a história da hanseníase em Mato Grosso do Sul.
Sobre o autor e personagem biografado: João Carlos Estevão de Andrade — É conhecido por sua inspiradora trajetória de quebra de padrões e luta para exercer sua liberdade de viver com paralisia cerebral. É coautor do livro “João da Moto — A vida não impõe limites”, em parceria com a escritora Lenilde Ramos. Tem destaque por sua notória capacidade intelectual, que gerou muita luta, inconformismo e busca por realização pessoal. Sua militância o levou a atuar em uma expressiva gama de serviços que buscam equalizar as pessoas com deficiência na sociedade. Atualmente, João compõe o Conselho Técnico-Científico da Fenapestalozzi.