Movimento Pestalozziano se mobiliza e promove campanha de conscientização sobre saúde mental das pessoas com deficiência intelectual e múltipla atendidas e seus familiares.
O ano de 2025 já deu o ar de sua graça e o mês de janeiro trouxe consigo aquela famosa lista de promessas quase rotineiras de começo de ano, não é mesmo?
— Começar um novo curso;
— Estar mais perto da família;
— Cuidar mais da saúde… E por aí vai uma lista de desejos e novos hábitos que, com certeza, nos conduzirão a um ano de conquistas e realizações.
Pois bem, nós da Fenapestalozzi e todo movimento Pestalozziano temos um convite especial para você. Façamos do “Janeiro Branco” o mês dedicado à promoção da saúde mental e emocional.
À luz da campanha já realizada no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), e recentemente sancionada pela Lei n.º 14.556/2023, o nosso primeiro mês de 2025 será repleto de ações de atenção à saúde da mente e das emoções. Isso significa que vamos conduzir uma campanha de conscientização e de práticas de cuidado, especialmente para as pessoas com deficiência atendidas e seus familiares.
Pesquisas científicas recentes realizam uma importante interface de investigação na qual os campos da Deficiência Intelectual e da Saúde Mental buscam quebrar a trajetória de institucionalização e a limitação dos processos de inclusão social dessas pessoas.
Como resultados dessas investigações, é cada vez mais evidente a invisibilidade dos processos de adoecimento psíquico das pessoas com deficiência intelectual no país e de seus cuidadores, também. Instituições como as Associações Pestalozzi existem para colaborar com o processo de quebra de estigmas e preconceitos que essas pessoas enfrentam. O trabalho na promoção da autonomia e bem viver dessas é diretamente ligado a uma emergência do cuidado comunitário e da não institucionalização psiquiátrica das pessoas com deficiência intelectual e múltipla.
Janeiro Branco: Movimento Pestalozziano realiza campanha em prol da saúde mental e emocional das pessoas com deficiência intelectual e múltipla atendidas e suas famílias. Foto: Reprodução Fenapestalozzi.
O QUE É SAÚDE MENTAL?
Importante saber: No Brasil, a política de saúde mental se pauta em princípios como a desinstitucionalização, o cuidado em liberdade e os direitos humanos.
QUAIS OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL ENFRENTADOS PELAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEUS FAMILIARES?
As pessoas com deficiência têm o direito à atenção integral à saúde e podem procurar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), como imunização, assistência médica, odontológica a serviços de atenção terciária especializada, como a reabilitação e atenção hospitalar.
Conforme as definições da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei n.º 13.146/2015, a deficiência é compreendida como um resultado da interação entre impedimentos, os quais são condições presentes nas funções e estruturas do corpo, e barreiras que podem ser urbanísticas, arquitetônicas, atitudinais, tecnológicas, de comunicação e informação, e transporte. Ou seja, a deficiência deve ser compreendida pela restrição do gozo pleno e efetivo da vida social e comunitária em igualdade de condições com as demais pessoas.
A vulnerabilidade da população com deficiência intelectual é especialmente preocupante pela escassez de informações sobre dados epidemiológicos e de publicações que orientem a formulação e a aplicação de políticas públicas efetivas. Ao considerar a realidade socioeconômica de parte considerável desse grupo social, a invisibilidade se torna ainda mais grave. São associadas outras interseccionalidades históricas de exclusão, como o racismo, o machismo, o capacitismo, o classismo, o que pode resultar em estruturas familiares e comunitárias fragilizadas. Esta realidade é conhecida como iniquidades no campo da saúde, que são especialmente desafiadoras quando observadas as experiências das pessoas com deficiência intelectual e a população em geral.
Estima-se que mais de um terço das pessoas com deficiência intelectual teriam associados diagnósticos de transtornos mentais. Pessoas com deficiência intelectual, além de terem maior predisposição ao desenvolvimento de paralisia cerebral, epilepsia, alterações na comunicação, visão, audição e transtornos mentais, enfrentam importantes desafios no acesso ao cuidado assistencial, constituindo uma “cascata de disparidades“. Partindo de um modelo explicativo biopsicossocial, alguns autores alertam para o acúmulo de fatores considerados de risco ao desenvolvimento de transtorno mental que pessoas com deficiência intelectual teriam.
Infelizmente, ainda hoje, muitas pessoas com deficiência intelectual só são “vistas” na medida em que obtêm diagnóstico médico e/ou do agravo de suas comorbidades psiquiátricas. Como é considerada socialmente “deficiência oculta”, subestimam-se os efeitos que a falta de inclusão social e as consequências disso na vida cotidiana das pessoas com deficiência.
Para elucidar essa tensa imbricação entre deficiência intelectual e transtorno mental, quando a criança inserida em instituição de referência para deficiência começa a apresentar comportamentos ditos inadequados, como, por exemplo, algum aumento da agressividade ou da expressão da sexualidade, questiona-se a presença de um diagnóstico de transtorno mental. Se confirmado, muitas vezes, o segundo diagnóstico acaba por impor às famílias a perda do serviço de referência e uma longa busca pelo acesso aos serviços de saúde mental.
No entanto, mesmo diante desse cenário, é importante destacar que essa “invisibilidade material” no mundo dos dados foi utilizada criativamente por essas pessoas, pois como se situariam à margem do “campo das doenças”, essas pessoas buscariam se beneficiar de políticas no campo da assistência social, educação, trabalho entre outras, com cuidado assistencial quase que inteiramente garantido por meio de entidades filantrópicas e organizações não governamentais.
DIAGNÓSTICO DUAL: SILENCIAMENTOS E VISIBILIDADES NA LUTA PELO DIREITO À SAÚDE
O conceito de diagnóstico dual é uma expressão de um campo de conhecimento médico que se faz em uma espécie de entre caminhos. Ou seja, ainda que haja uma separação histórica entre deficiência intelectual e saúde mental que permitiu a cada uma dessas populações receber atendimento específico, atenção e implantação de serviços de apoio, pode haver, também, criado uma concepção inadequada de que os dois fenômenos podem não coexistir em uma mesma experiência individual.
É importante ressaltar que este conceito não é pacificado enquanto uma classificação diagnóstica. Ele vem sendo utilizado na literatura científica mundial para nomear experiências que acumulam diagnósticos psiquiátricos, tais como transtornos mentais e dependência de drogas ou deficiência intelectual associada a transtornos mentais.
Algumas práticas e estruturas dos sistemas de saúde podem ser consideradas como diretamente responsáveis por essa espiral de invisibilidade sobre a saúde mental da pessoa com deficiência intelectual. Citam-se a falta de lastro de pesquisa e representatividade dos interlocutores de pesquisa, a falta de competência técnica em comunicação acessível do pesquisador, além da dificuldade da pessoa com deficiência intelectual em elaborar e compreender o que sente. Esses fatores dificultam o diagnóstico psiquiátrico nas pessoas com deficiência intelectual, mobilizando esforços no sentido de sua qualificação.
Com fins de padronizar certos sistemas diagnósticos e utilizá-los como métricas para população geral, a medicina utiliza sistemas de categorização como a CID-10 e o DSM-IV, têm sido considerados inapropriados para serem utilizados no atendimento à pessoa com deficiência intelectual, principalmente devido à dificuldade em se obterem relatos subjetivos de sintomas e percepções individuais dos pacientes. Novos sistemas foram adaptados ou desenvolvidos e vêm sendo utilizados em pesquisas epidemiológicas no Reino Unido, União Europeia e Estados Unidos, como The Diagnostic Criteria for Adults with Learning e Disability (DC-LD), Diagnostic Manual-Intellectual Disability (DM-ID) e Psychiatric Assessment Schedule for Adults with a Developmental Disability (PAS-ADD).
Importante saber: As pessoas com deficiência intelectual podem apresentar sintomas diferentes para suas condições de adoecimento mental, e isso é considerado um fator de risco devido ao despreparo das equipes assistenciais. Alguns países da Europa e do Reino Unido têm criado uma subespecialidade formativa: saúde mental em deficiência intelectual, e na implementação de serviços de saúde mental especializado, como, por exemplo, serviços de saúde mental para pessoas com problemas relativos ao abuso de drogas ou à população infantojuvenil.
REDE DE CUIDADOS À PESSOA EM SOFRIMENTO PSÍQUICO
As pessoas em crise podem ser atendidas em qualquer equipamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essa rede atende aos princípios fundamentais da universalidade, integralidade e equidade, buscando proporcionar atendimento acessível, amplo e justo para todas as pessoas.
Os atendimentos nessa rede incluem ações para promoção da saúde mental, oferta de assistência e cuidado, além de ajuda na recuperação e reintegração social das pessoas em sofrimento mental.
- Onde encontrar atendimento
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é o lugar onde são ofertados cuidados assistenciais à saúde mental das pessoas, incluindo aquelas que enfrentam agravos relacionados ao uso prejudicial de drogas lícitas e ilícitas. É aberto a toda comunidade e qualquer cidadão pode ser atendido por escolha própria (quando a pessoa busca ajuda diretamente), por meio de encaminhamento de outros serviços da rede de saúde ou de setores interligados, como a Assistência Social, Educação, Justiça entre outros.
O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) é um lugar no qual é possível encontrar atendimento por equipes multiprofissionais que atuam de forma integrada com as equipes de Saúde da Família (eSF).
O Centro de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (CCFV) é uma unidade pública de assistência social que se destina ao atendimento de famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. Tem por objetivo estimular a integração e a troca de experiências entre os participantes, valorizando o sentido de vida coletiva, para promover o respeito às diferenças, a colaboração, o autoconhecimento, a autoconfiança e a cidadania, além de fortalecer os vínculos com a família e comunidade.
POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A nova Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência (PNAISPD), atualizada no ano de 2023, tem o objetivo de promover e proteger a saúde das pessoas com deficiência, por meio de ampliação do acesso ao cuidado, integram no SUS, em articulação com as demais políticas intersetoriais, como, por exemplo, a saúde da criança, da mulher, do homem e da pessoa idosa. O objetivo é contribuir para autonomia, qualidade de vida e inclusão social dessas, bem como agir de maneira preventiva na minoração de agravos à saúde durante toda vida, considerando, claro, as necessidades de cada pessoa com deficiência.
As ações são organizadas nos seguintes eixos de atuação:
I – promoção da saúde, qualidade de vida e prevenção de agravos em todos os ciclos de vida, de acordo com as necessidades das pessoas com deficiência;
II – organização das ações e serviços de saúde sob a lógica das Redes de Atenção à Saúde;
III – formação, qualificação e educação permanente em saúde na perspectiva do modelo biopsicossocial;
IV – articulação intrasetorial, intersetorial e interinstitucional;
V – pesquisa, produção e tradução do conhecimento;
VI – informação e comunicação em saúde;
VII – dados e sistemas de informação em saúde; e
VIII – participação da comunidade e controle social.
AFINAL, O QUE É O JANEIRO BRANCO
Trata-se de uma iniciativa da sociedade civil em prol da conscientização do cuidado com a saúde mental. Este teve seu início a partir de ações capitaneadas por profissionais de saúde de Uberlândia, Minas Gerais, ainda em 2014. Atualmente, o “Janeiro Branco” é considerado Lei Federal (Lei n.º 14.556/23), e compõe o calendário do SUS. Como o artigo 2º da Lei diz: “Nos meses de janeiro serão realizadas campanhas nacionais de conscientização da população sobre a saúde mental, que abordarão a promoção de hábitos e ambientes saudáveis e a prevenção de doenças psiquiátricas, com enfoque especial à prevenção da dependência química e do suicídio”.
- Instituto Janeiro Branco
- Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência (PNAISPD)
- Política para Melhorar a Saúde Mental – Organização Pan-Americana da Saúde – Organização Mundial da Saúde (OPAS-OMS)
- SURJUS, Luciana Togni de Lima; CAMPOS, Rosana Teresa Onocko. Interface entre deficiência intelectual e saúde mental: revisão hermenêutica. Revista de Saúde Pública, v. 48, p. 532-540, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rsp/a/CTCDj3r8DTJqDTYdyfhspXD/?lang=pt&format=html.>. Acesso em 26 de dez. de 2024.