Organizações da Sociedade Civil do Movimento Pestalozziano promovem ações de conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista e fortalecem agenda em prol da garantia de direitos das pessoas autistas.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido na atualidade como um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento dos indivíduos.
A diagnóstico diferencial do autismo se deve, em grande medida, ao trabalho do psiquiatra Leo Kanner “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo” que descreveu o caso de onze crianças autistas ainda em 1943. Desde então, o TEA tem sido um tema que movimenta discussões importantes, seja no âmbito da educação, da saúde, da cultura… Aqui, a Federação Nacional das Associações Pestalozzi – Fenapestalozzi, realiza um aparato com informações e dados importantes para te conduzir em direção a um maior entendimento desse universo tão plural e que ainda necessita de conscientização, o Transtorno do Espectro Autista.
Os sinais do TEA podem ser observados ainda na primeira infância. No entanto, há milhares de pessoas estão sendo diagnosticadas tardiamente, já na fase adulta, e experimentaram um cenário de desassistência e angústia altamente incapacitantes.
Em um país profundamente desigual como o Brasil, as intersecções como gênero, raça e condição social acabam por interferir no processo de diagnóstico e terapia, configurando uma barreira aos direitos dessas pessoas.
Mas, como a família e a comunidade podem ser mais abertas à diversidade de pensamento e ser mais inclusivas para com a pessoa com TEA? E, afinal, por que o número de diagnósticos tem crescido tanto? Como tornar a vida da pessoa com TEA mais digna e com possibilidades de exercício de sua autonomia?
São perguntas que, mesmo que ainda não possuam respostas definitivas, orientam esse espaço de diálogo e construção conjuntas. Vamos aprender mais sobre o TEA?

Nova classificação do Transtorno do Espectro Autista no CID-11
A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-1), publicado pela Associação Psiquiátrica Americana, em 1952, os padrões comportamentais e sintomáticos do que atualmente é conhecido como Transtorno do Espectro Autista eram classificados como um subgrupo da esquizofrenia infantil.
Somente quando da elaboração do DSM-3, em 1980, o autismo passou a ser reconhecido como uma condição específica e colocado em uma nova classe, a dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TDI).
Somente no ano de 2013, o DSM-5, passou a abrigar as subcategorias do autismo em um único diagnóstico, o Transtorno do Espectro Autista.
A atenção da comunidade científica voltou-se para o TEA, e, dessa maneira, foi possível alcançar feitos importantes em termos de tratamentos, terapias e políticas públicas específicas para esse contingente da população.
As novas diretrizes da Classificação Internacional de Doenças Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) segue o que foi proposto no DSM-5, realizando alterações significativas na classificação do transtorno.
Anteriormente, conforme a CID-10, o diagnóstico do TEA era classificado como Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), com diversas subcategorias como Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno com hipercinesia associado a retardo mental e a movimentos estereotipados.
Ambos os documentos consideram o TEA um espectro, e adotam critérios comportamentais, indicadores de desenvolvimento, critérios cognitivos e de adaptação social, familiar, como funcionalidade e atividades da vida cotidiana.
A décima primeira revisão da Classificação unifica o TEA sob o código (6A02) e considera dois critérios principais para o diagnóstico:
- Presença ou Ausência de Deficiência Intelectual
- Nível de comprometimento da linguagem funcional.
Conforme a Nota Técnica 91/2024, a implementação da CID-11 no Brasil está prevista para janeiro de 2027.
Acesse aqui a plataforma da CID-11 na versão em português.
Saiba quais são os novos códigos de classificação do Transtorno do Espectro Autista no CID-11:
6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA):
6A02.0 – TEA sem deficiência intelectual (DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
6A02.1 – TEA com deficiência intelectual (DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
6A02.2 – TEA sem deficiência intelectual (DI) e com linguagem funcional prejudicada;
6A02.3 – TEA com deficiência intelectual (DI) e com linguagem funcional prejudicada;
6A02.5 – TEA com deficiência intelectual (DI) e ausência de linguagem funcional;
6A02.Y – Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado;
6A02.Z – Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado.
Como é feito o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista?
Comumente, o Transtorno do Espectro Autista é identificado ainda na primeira infância e implica em impactos na dinâmica familiar.
Seja na infância ou na vida adulta, o diagnóstico pode ajudar a pessoa com TEA a desenvolver suas habilidades e talentos, ocasionando uma melhora na qualidade de vida e no relacionamento interpessoal com a família e a comunidade.
Com o devido apoio especializado, terapias comportamentais, adaptações em acessibilidade e as políticas de inclusão são essenciais para que a pessoa com TEA alcance qualidade de vida.
O diagnóstico do TEA é realizado por profissionais da saúde qualificados, que podem utilizar desde a observação, aplicação de testes específicos e entrevistas com tutores, pais e pacientes.
Identificar sinais e sintomas específicos que são popularmente conhecidos como a “tríade autista”. Esse modelo foi investigado e proposto pela psiquiatra Lorna Wing, ná década de 1980, quando ela desenvolveu o conceito do autismo como um “espectro”, e hà época, cunhou o termo Síndrome de Asperger, em referência a Hans Asperger.
Essa tríade era utilizada para descrever as principais dificuldades apresentadas pelas pessoas com TEA:
1º Aspecto – Interação Social: A pessoa com TEA pode apresentar dificuldades em estabelecer vínculos, interagir e compreender certas regras sociais que são mais comuns para as outras pessoas não autistas;
2º Aspecto – Linguagem e da Comunicação: A pessoa com TEA pode apresentar dificuldades no domínio da linguagem e até mesmo impropriedade na comunicação, incorrendo em situações que podem causar estranhamentos sociais;
3º Comportamento: A pessoa com TEA tpode apresentar dificuldades de alcançar o pensamento lúdico das tarefas ou brincadeiras, apresentando padrões de pensamento e comportamentos mais rígidos, repetitivos e restritivos.
Atualmente, com o avanço das pesquisas, esse modelo foi parcialmente superado. Como o TEA é considerado um espectro, é possível que o indivíduo apresente sintomas e características diferentes conforme a etapa da vida em que esteja.
Como proposto no CID-11, o profissional de saúde investiga sehá comprometimento intelectual, linguagem funcional, distúrbios do sono, alimentares ou outras comorbidades, também.
Autismo na vida adulta e os desafios do diagnóstico tardio: angústias e descobertas
O fortalecimento e a eficácia das políticas públicas intersecionais na área da saúde proporcionaram uma melhora considerável na qualidade de vida da população brasileira, especialmente desde a redemocratização e da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS).
Há muito o que ser feito para garantir a dignidade e o acesso equitativo à saúde assistencial, sobretudo quando se consideram intersecções como classe social, raça, gênero, condições e habilidades sensoriais, cognitivas, entre outras.
Ainda assim, as práticas e tecnologias de medicina preventiva, controle epidemiológico, como as vacinas, políticas de gestão de danos e atenção especializada no âmbito do SUS proporcionaram longevidade e continuidade do cuidado em diferentes níveis de atenção.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), assim como a inteligência computacional preditiva, contribuíram para que novas perguntas fossem feitas, como, por exemplo, por que os números de diagnósticos de pessoas com Transtorno do Espectro Autista estão crescendo tanto?
Embora ainda não haja respostas definitivas para o crescimento de diagnósticos, especialistas acreditam que a maior conscientização sobre o tema seja uma explicação provável para o fenômeno. E o diagnóstico, mesmo que tardio, aliado às terapias e acompanhamentos especializados, pode proporcionar autoconhecimento e qualidade de vida para essas pessoas e seus familiares.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1% da população mundial é composta por pessoas com TEA, ou seja, cerca de 70 milhões de pessoas.
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, acesse aqui a pesquisa em inglês) dos Estados Unidos, no ano de 2024, estima que 1 a cada 36 crianças estadunidenses com menos de 8 anos estão no espectro. Com a prevalência de atualização de dados a cada dois anos, essa pesquisa revela uma tendência de aumento de casos. Na edição anterior da pesquisa, essa taxa orbitava em 1 caso a cada 44 crianças, meninos e meninas.
Conforme essa pesquisa, o autismo é 3,8 vezes mais frequente em meninos – cerca de 4%, enquanto a porcentagem de meninas está em torno de 1%. Com relação à diversidade étnica, os dados revelaram que há um abismo na oferta de diagnóstico, tratamento e suporte equitativos para todas as crianças com TEA.
É importante ressaltar que, no Brasil, não há pesquisas epidemiológicas de lastro sobre essa população, nem dados oficiais. Ou seja, o cenário é ainda mais obscuro para identificar estes sujeitos, e, claro, pensar políticas públicas específicas e adequadas para o exercício das liberdades fundamentais desses.
São vários os profissionais envolvidos para garantir o bem-estar, a qualidade de vida e desenvolvimento infantil adequado das crianças com Transtorno do Espectro Autista, mas, e no caso dos adultos? Nessa fase da vida, muitas pessoas podem não ter recebido a atenção devida na infância, e reconhecer os sinais do TEA nessa fase da vida torna-se algo complexo e, por vezes, pode causar confusão com outros transtornos e condições de saúde.
Uma pesquisa sobre o perfil epidemiológico de pacientes com TEA, acompanhados em Centros Especializados de Reabilitação (CER), identificou comorbidades prevalentes como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Deficiência Intelectual, perda auditiva entre outras. Ainda que seja uma pesquisadedicada a entender a realidade de uma instituição de saúde, esta investigação é indicativa da falta de dados sobre o TEA a nível nacional.
Ainda neste sentido de buscar visibilidade, em pessoas adultas, umas das comorbidades mais comuns no diagnóstico tardio podem ser o Transtorno de Ansiedade Generalizada, depressão e outras características que podem ser entendidas como sintomas de uma pessoa autista angustiada.
Esses sentimentos conflitantes e falta de orientação especializada são uma barreira para que a pessoa com TEA busque apoio e acesse a políticas públicas necessárias para sua participação equitativa na sociedade.
Leis e políticas públicas que asseguram os direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista
- Constituição Federal de 1988, especialmente o Art. 208, inciso III, que garante Atendimento Educacional Especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
- Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência);
- Lei nº 12.764/2012 – Institui a Política de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (conhecida como Lei Berenice Piana);
- Lei nº 14.626/2020 – Garante atendimento prioritário a pessoas com Transtorno do Espectro Autista, com mobilidade reduzida e doadores de sangue.
- Lei nº 12.711/2012 – Institui a reserva vagas em universidades e institutos federais para estudantes que concluíram o ensino médio em escolas públicas. A lei também prevê vagas para alunos de baixa renda, pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.
- Lei nº 8.213/1991 – Conhecida como Lei de Cotas, dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e, entre outras coisas, dispõe também sobre a reserva de vagas para a contratação direta de pessoas com deficiência.
- Lei nº 13.977/2020 – Conhecida como Lei Romeo Mion Institui a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea).
Capacitações sobre o Transtorno do Espectro Autista
O Ministério da Saúde (MS) oferta cursos gratuitos sobre a temática do Autismo. Os materiais estão disponíveis no Ambiente Virtual do SUS (AVA-SUS) e na plataforma da Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS).
Além disso, é ofertada uma capacitação profissional para uso da Caderneta da Criança, que vai possibilitar a compreensão da importância da caderneta como instrumento de vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil. A capacitação é gratuita, em formato Educação a Distância (EAD) e não tem limitação de vagas. As inscrições podem ser feitas por meio da plataforma UNASUS/UFMA.
Todas crianças nascidas em maternidades públicas ou privadas no Brasil têm direito a receber gratuitamente a Caderneta da Criança – Passaporte da Cidadania no momento da alta. A caderneta deve ser devidamente preenchida pelo profissional de saúde.
Acesse aqui a Caderneta da Criança (menina); e a Caderneta da Criança (menino)
Conheça os cursos sobre autismo disponíveis:
Com carga horária de 40 horas, é direcionado restritamente a médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais e cirurgiões-dentistas.
Carga horária de 20 horas, direcionada para pais, cuidadores e educadores. Está disponível desde abril de 2021, sem data prevista para encerramento e já alcançou 1.425 multiplicadores.
- Webpalestra sobre Nutrição na Criança Autista – 4h
- Capacitação de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro Autista – 30h
Realizado em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o curso é direcionado para profissionais e familiares. A iniciativa possibilita conhecer a história, a epidemiologia e o fluxograma de acompanhamento e atendimento da pessoa com autismo no SUS. Até o momento, 11.054 pessoas concluíram o curso e as inscrições seguem até 30 de novembro de 2022.
O Movimento Pestalozziano e a luta pela defesa e garantia de direitos da pessoa autista
As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) do Movimento Pestalozziano, bem como as entidades análogas, ofertam serviços em assistência social dedicadas à habilitação e reabilitação das pessoas com TEA, deficiência intelectual e múltipla, Transtornos Globais do Desenvolvimento entre outras condições.
O cuidado em perceber os indivíduos em sua totalidade, considerando o meio social em que estão inseridos, também, possibilita ações em conjunto com a família. Isto é, o trabalho do cuidado é compartilhado.
Ações de combate ao capacitismo, defesa e garantia de direitos norteiam todas as atividades desenvolvidas pelas mais de 180 OSCs dedicadas à pessoa com deficiência.
Participe desse movimento e seja uma gente da mudança!
REFERÊNCIAS
KANNER, LEO. Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) Cartilha dos Direitos da Pessoa com Autismo. São Paulo, 2015.